Uma coisa Estranha



Uma coisa Estranha





 Eu tinha 2 semanas. Havia algo de estranho à minha frente. Olhei e decidi ignorá-la. Tinha acabado de aprender a abrir os meus olhos. Ouvi pessoas à minha volta. Devia ser a minha família e os amigos da mamã e do papá. E depois, voltei a vê-la. Olhei para ela, decidi que não era nada de importante e adormeci.


Tinha 3 anos. Voltei a ver a coisa estranha. Estava a olhar para mim. Ignorei-a outra vez e continuei a brincar com o meu Lego. Comecei a abanar os meus braços e as minhas pernas quando estava prestes a terminar a torre de Lego. Os meus pais apoiaram-me. Coloquei a bandeira na torre e ri-me de alegria. E depois, voltei a vê-la, uma coisa estranha a olhar para mim. Não gostei da forma como estava a olhar para mim. Fiquei chateada e como qualquer outra criança, comecei a chorar. Os meus pais apressaram-se a vir ter comigo e como se fosse magia, a coisa desapareceu, desvanecendo-se no ar. Ignorei-a nesse dia, mas comecei a prestar atenção e a pensar nela. Não sabia o quanto isso afetaria a minha vida.


Tinha 5 anos. A coisa estranha estava de volta. Não prestei muita atenção a ela. Eu estava numa cama de hospital. Tinha acabado de ser levada de urgência. Tinha estado envolvida num acidente de carro. Eu queria a mamã e o papá, estava tão assustada, tão assustada e mesmo assim ninguém estava lá para me confortar. Apercebi-me da coisa estranha a olhar para mim, apenas a olhar para mim, como se não houvesse mais nada a fazer. Olhei de novo para ela e ela desapareceu. Ouvi pessoas à minha volta e soube de imediato que a minha família estava lá. Assim, ignorei tudo o resto e caí num sono muito, muito profundo.


Tinha 5 anos e meio. A coisa estranha estava a olhar para mim, mas ignorei-a nesse dia. Eu estava sentada numa cadeira, de cabeça baixa, com um vestido preto. Tinha acabado de perder os meus pais. Eles estão num lugar feliz, disse a minha tia. Eles eram agora responsáveis por mim, o meu tio e a minha tia. Eu não tinha outra escolha, o resto da minha família vivia demasiado longe. Só podia contar com eles para me protegerem. Inclinei-me para a frente para dizer adeus aos meus pais. Vi que estavam a dormir em paz, e acreditei na minha tia, eles estavam num lugar melhor. Não vi a coisa estranha o resto do dia e pensei, mais um ponto para mim, menos um ponto para a coisa estranha.

Tinha 6 anos. Era o meu primeiro dia de escola, a 1ª classe. Virei-me para olhar para os meus tios e com as mãos eles convenceram-me a ir em frente. E depois voltei a vê-la, a coisa estranha. Estava a ficar irritada com aquela coisa, a olhar-me a toda a hora, a perseguir-me para onde quer que eu fosse. Por isso, decidi dar-lhe uma lição e mostrar-lhe quem realmente mandava ali. E desta vez, em vez de me perseguir, estava eu a persegui-la.     

Fui divertido durante algum tempo, até me aperceber que tinha desaparecido mais uma vez. Procurei por todo o lado, mas não a consegui encontrar. Fui contar a algumas crianças o que tinha visto, mas elas disseram-me para não ser estúpida, e para me concentrar nas minhas notas e nos meus estudos. Acho que eram estudantes do 4º ano. E, nessa altura, tocou uma campainha e todos começaram a entrar. Olhei para a minha família, mas eles também tinham desaparecido. Senti-me sozinha até encontrar um adulto que me ajudou a encontrar a minha sala. Afinal aquele primeiro dia na escola não seria o último.


Tinha 9 anos. Estava prestes a terminar o 1º ciclo e iniciar o 2.º. Era Halloween e decidi que, estava na hora de apanhar a coisa estranha e estudá-la de uma vez por todas. Assim, comprei uma roupa de caça-fantasmas e fiz-lhe algumas alterações. Encontrei o velho aspirador da minha tia e a caixa de cartão do meu tio e colei ambos com fita adesiva. Dei-lhe um pouco de tinta, uma tatuagem de caça-fantasmas e estava pronta. 

Acontece que a minha tia e o meu tio NÃO estavam contentes comigo por usar as suas coisas, e tive de prometer 3 vezes que lhes pagaria de volta, antes de me deixarem em paz para ir para a escola. Como sempre, a coisa estranha estava mesmo ali. Foi fácil, primeiro distraí-a, depois suguei-a com o aspirador. A coisa não estava à espera e foi sugada, muito rapidamente. Coloquei uma toalha em cima da caixa e fui para a escola. Nunca mais me incomodou.


Tinha 12 anos. Decidi ir ver a coisa estranha, mas primeiro, precisava de terminar o meu último dia de escola. Acontece que foi um desastre total. Esqueci-me da minha mala em casa e todos se riram de mim. Fiquei aliviada quando a escola finalmente acabou. Cheguei a casa, tranquei a porta do meu quarto e desfiz-me em lágrimas. Quando finalmente me acalmei, fui ver a coisa estranha. Não estava lá. Comecei a entrar em pânico e quando me apercebi estava no meu braço, mas estava a agir de forma esquisita. Era como, se fosse explodir. Preparei-me para a explosão, mas nunca aconteceu. Apenas ficou maior e criou olhos, nariz e boca. Passei-me completamente, agarrei no meu lápis e apontei-o à coisa. A coisa tinha-se transformado apenas numa cabeça lilás com um brilho azul, que não tinha um corpo e flutuava. Percebi que estava solitária e queria ajudá-la, mas primeiro precisava de saber o que era. 

Agarrei em todos os meus livros de animais e comecei a procurar. Nada. Corri para a biblioteca, recolhi todos os livros de animais que estavam na prateleira e procurei. Não havia nada. E foi quando me apercebi que tinha um novo tipo de animal no meu braço. E foi aí que a adotei verdadeiramente. Tornou-se na minha única companheira e melhor amiga.

Tinha 16 anos. Tinha acabado de entrar na universidade. Tiveram de fazer uma licença especial, mas a minha coisa estranha conseguiu entrar. Não podia vir às aulas comigo, mas estava sempre à minha espera no meu quarto. Um dia, cheguei ao meu quarto, para descobrir que a minha coisa estranha tinha desaparecido. E depois ouvi um assobio. 

A coisa estranha estava a fazer algo esquisito. Parecia inconsciente, mas estava a crescer, do meu tamanho, criando braços e pernas no processo. Depois parou. Tinha-se transformado num humano, com a pele pálida. Num momento estava inconsciente, no momento seguinte estava a respirar e a tossir, desesperada por ar. Bati-lhe com força nas costas e parou. Era uma rapariga. A coisa estranha tinha-se transformado numa rapariga. A única coisa que restava da transformação, era um vestido lilás com brilho azul e o facto de ela não ter cabelo. Ela abriu os olhos e olhou para mim. Assim que olhou para mim, sorriu e abraçou-me. E de seguida sussurrou-me ao ouvido:

-Eu amo-te.

Abracei-a de volta, feliz, porque ela se lembrava de mim e ajudei-a a levantar-se. E juntas, fomos para a aula.


Tenho 24 anos, e estou mais feliz do que nunca. Tenho uma casa e uma família, mas o melhor de tudo é a minha irmã. Os meus tios também a aceitaram na família, o que me fez deixar de ser órfã. Eles deram-lhe um nome: Esmarela, e um apelido: Lawer. Somos felizes juntas e acabámos de terminar a universidade. Todos os dias subimos ao topo de uma falésia, e dizemos uma à outra, o quanto gostamos de ser uma família. Ah, e querem saber o meu nome? Bem, o meu nome é Wendy e estou feliz por ter encontrado a minha linda coisa estranha.


Por: A Escritora do Feijão de Manteiga


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